Postado por: Mundo Raimundo quinta-feira, 11 de julho de 2013

Vívian Andrade escreve para a coluna PolemiCÃO  
"O nacionalismo é uma doença infantil: é o sarampo da humanidade."

    Prezado leitor, desculpe a força da introdução com a citação de Einstein. Mas é bom que você sinta incômodo, aprenda a dominar a revolta e questione o que pensa e o que está sendo escrito aqui. No caminho da sabedoria, o primeiro passo é lutar contra si mesmo. É uma dica, porque a coisa nesta coluna é assim mesmo. Segura o tcham.
    A propósito, muito prazer! Seja bem-vindo ao meu primeiro post!

"O nacionalismo só permite afirmações e, toda doutrina que descarte a dúvida, a negação, é uma forma de fanatismo e estupidez".

    Você ama a sua pátria? Quanto você a conhece? Você acha bonito ser brasileiro com muito orgulho e com muito amor? Você canta o hino nacional? Então, explique a primeira estrofe. Depois, redija um texto que justifique esse orgulho, relacione com o quanto você efetivamente conhece do país e do povo que nele vive e dê exemplos do seu amor para com os brasileiros. Só pra constar, pagar seus impostos e torcer pela seleção não vale, ok?
    Diz-se muito por aí ‘O Brasil’, ‘os brasileiros’. E quem é o Brasil, quem são os brasileiros? Não percebo um esforço dos nacionalistas em encontrar e conhecer essas pessoas que vivem dentro da sua marcação imaginária. Eu lanço essa pergunta: “qual é a sua experiência com o povo (por inteiro) brasileiro”? Por que, em vez de conhecer, reforçamos uma caricatura mal desenhada das pessoas que vivem dentro destes limites - bom repetir – imaginários?
É bobo, mas é real:
para quem já teve a oportunidade de cruzar uma fronteira caminhando, repararam que não existe ali um risco no solo que separe um país do outro, como nos mapas? Para quem não teve a oportunidade, acredite, é verdade.
    Disfarçado de amor pelo seu país – defina ‘amor’ e defina ‘seu país’, por favor – o nacionalismo se vale da psicologia de massa e da necessidade de pertencer para tornar aceitável, até mesmo honroso, monstruosidades como matar uma ou várias pessoas que não se conhece, sem qualquer motivo pessoal ou absolutamente nenhuma justificativa palpável. E quando as pessoas se deixam levar por essas ideias, todos nós sabemos como termina. De uma maneira geral, na história da humanidade, os indivíduos não matam nem morrem por ideias, eles matam e morrem por dogmas.

Dogma s.m. Ponto fundamental de doutrina religiosa ou filosófica, apresentado como certo e indiscutível. Dicionário Aurélio

    O nacionalismo é explicado pelo senso comum de maneira metafórica, utilizando-se de sentimentos imprecisos como ‘amor’, ‘adoração, ‘orgulho’, para defini-lo. Inclusive as pessoas, se perguntadas sobre o que é o nacionalismo, respondem das mais diversas formas. Comumente observamos nas descrições construções do tipo “Pra mim, o nacionalismo é...”. Não há consenso sobre o que signifique, tampouco uma definição de conhecimento de todos. Qual é o motivo, então, pelo qual as pessoas se dizem nacionalistas ou veneram uma “pátria”, um hino, uma bandeira?
    O leitor perceberá que raramente faço afirmações, meu negócio é a dúvida. Mesmo quando o faça, nunca se esqueça de que eu estou falando com você (é, você aí!) lendo isso:
“A maioria dos patriotas não conhece nem um terço do território do seu país.”
“A maioria dos patriotas não conhece realmente as pessoas que vivem sobre o mesmo território.”

    E por que não conhece e, mesmo assim, é nacionalista? Porque o nacionalismo nada mais é do que o egocentrismo elevado à potência equivalente ao número de habitantes de um determinado país:

Mas eu nasci aqui...
    Nascer em determinado país e região é completamente arbitrário. Não há motivos para pensar que, por haver nascido ali, aquele lugar é melhor do que os outros. O que existe em um país (sua cultura, língua, natureza, costumes) são resultados naturais das sociedades, e não há motivo para se ter orgulho de algo que sucede apenas porque sim, tal qual o nascimento de uma determinada pessoa ali. O nacionalismo é o egocentrismo disfarçado e forçadamente dilatado a um grupo de indivíduos com que eu me identifico fantasiosamente, pessoas as quais eu não conheço (e nem acho necessário conhecer), e, ainda assim, sinto que são como eu. Isso, para mim, chama-se delírio de grandeza.
    Os nacionalistas, muitas vezes, creem que todos os recursos da sua pátria devem ser usados dentro da mesma (água, petróleo, etc.). E em momentos de crise? Daí vem o discurso de que os recursos são de todos. O que eu, Vívian, acho? Eu acho que os recursos são de todos e temos de usá-los por igual. Eu não quero vender uma xícara de açúcar ao meu vizinho, eu quero dar. Assim como eu quero que ele me dê uma de farinha quando eu precisar. Com o nosso vizinho parece fácil, mas quando se trata de nação ou região, o negócio muda. O nacionalismo nos faz acreditar que pedaços de terra e pessoas que vivem em cima deles são donas das coisas que se retiram ou se produzem ali. Se você nasceu em um território de clima inóspito ou de poucos recursos, dane-se você.
    Esse sentimento nos opõe covardemente, porque somos um todo contra indivíduos. Coloca-nos, de forma irreal, dentro do grupo mais forte, do grupo coeso. Dessa maneira, induz as pessoas a criarem uma lógica destrutiva, como no caso dos nordestinos em São Paulo. 

    Muitos paulistas pensam que a vinda dos nordestinos e os consequentes problemas dessa vinda são culpa dos nordestinos, e não das condições deploráveis em que vivem essas pessoas, na mais pura e abjeta miséria. Essa mesquinharia de alguns paulistas é tão insana que chegam a culpar pessoas que só querem uma vida decente. Se eu morasse em uma região tão inóspita quanto o sertão, eu certamente viria para São Paulo, onde - reza a lenda - a vida é melhor, ou pelo menos de fome não se morre. Tenho certeza de que os paulistas, no lugar dos nordestinos, fariam o mesmo antes de verem seus filhos morrendo de fome, de sede e/ou de diarreia (gente que morre de diarreia!!). Um nacionalista crê que a soberania de seu território é mais importante que os indivíduos e está acima de interesses particulares. Isso acaba por derivar em xenofobia ou medo ao diferente.
    O nacionalismo e o bairrismo, por um lado, anulam o sujeito que recrimina (pensemos, neste caso, no paulista) dissolvendo-o na multidão; já não é um indivíduo que critica ou combate o outro, e sim um grupo. O nacionalista/bairrista não se sente individualmente responsável por seu preconceito e estupidez, ele sente que o compromisso pelas barbaridades que diz são de responsabilidade grupal. Ele se sente amparado por uma voz maior do que ele, um saber que ele considera correto porque crê que é repetido por uma maioria dentro da sua comunidade. Por outro lado, assinala o sujeito que é recriminado (neste caso, o nordestino), identificando-o dentro de um grupo em que cada membro é culpado separadamente. Cada indivíduo é responsabilizado pelo “mal que causa” como indivíduo pertencente a um grupo em que todos causam o mesmo “mal”, sendo agora uma acusação pessoal contra todo e cada um dos participantes do grupo “contrário” aos interesses daqueles que se sentem no grupo dos que tem a razão (o grupo nacionalista ou bairrista). Explico-me bem?

Nação e pátria são conceitos artificiais
    Nacionalismo é uma maneira de afirmar que eu sou parte de um grupo que tem tais e tais características. O problema que vejo é que os nacionalistas não se valorizam pelo que são, e sim em oposição, sempre pensando que o outro não é ou não tem tais e tais características. O nacionalismo força uma série de identificações imaginárias entre as pessoas, pessoas que, se talvez tivessem de dividir a mesma casa, entrariam em discórdia. O nacionalismo só vence quando o inimigo está fora: é necessário criá-lo para não se ver o desajuste que está dentro. Essa visão é muito propícia àqueles que querem desviar a atenção dos habitantes de um determinado lugar. O nacionalismo coloca em primeiríssimo plano a necessidade da pátria, mas a pátria, entidade abstrata, não pode dizer do que necessita... então, quem é o responsável por colocar palavras na boca da pátria e convocar as massas a se unirem por uma causa? O nacionalismo não surge do consenso do povo, pelo contrário. Ele nos remete a estados totalitários, que querem apagar as diferenças, que visam a homogeneizar a sociedade. O nacionalismo não busca o bem dos povos, e sim interesses políticos. O inimigo não é quem está roubando a riqueza, ou preferindo comprar armas a construir hospitais e escolas, ou mandando pessoas morrerem numa guerra; o inimigo é um outro, a quem eu raramente conheço, mas que o poder pinta como um grupo homogeneizado, artificial e mau, matando o nosso desejo de acercar-se a ele. O nacionalismo convém ao poder, não às pessoas.

E os protestos no Brasil?
    Eu estou participando de todos que posso e ficava calada quando cantavam o hino ou qualquer canção nacionalista, até sábado passado. Fui ao terceiro protesto na minha cidade, eu entre os manifestantes invadimos um show patrocinado pela prefeitura que atrai muitos turistas.
    O prefeito estava lá: cantamos, cobramos respostas, nos sentamos nas cadeiras reservadas para os espectadores. O senhor administrador da cidade estava no palco, cumprimentando manifestantes de forma ameaçadora, senão ficava quieto, mesmo depois de um período de silêncio e de caras interrogantes mirando-o, esperando um pronunciamento dele. De repente, entra um locutor e, em meio às vaias, anuncia que a banda marcial tocará o hino nacional. Achei um desrespeito!
    Começou a tocar o hino e eu e meu marido começamos a vaiar. Atrás de nós, outro manifestante vaiava também. Os amigos deste, irritados, mandavam que ele calasse a boca. O cara, então, resolveu dar um discurso inflamado contra o nacionalismo (o hino rolando). As pessoas começaram a aparecer dos mais diversos lugares mandando o cara parar, todo mundo aos gritos. Eu e meu marido ora vaiando, ora argumentando com as pessoas que queriam impedir o direito constitucional do cara de trás de protestar de maneira pacífica (e o hino rolando). Até que chegou nossa incomodação.
    Surgiu um grandão mandando a gente parar. Quando o cara percebeu que meu marido é argentino e começou a ser xenófobo, eu fiquei possuída pelo demônio. Agora éramos nós três gritando. Então o grandão ficou mono-argumentativo e só berrava na minha cara “RESPEITAAAAA, RESPEITAAAAA, RESPEITAAAAA” (e o hino continuava rolando). Eu parei, me reincorporei, encarei-o bem de pertinho, olhei nos olhos e disse: - Tu vai bater em mim? Ele saiu meio desconcertado e falou “cuzão”. Em meio a essa gritaria e depois que o grandão saiu, eu via uma senhora, bem vestida, cabelo estilo Hebe Camargo, provavelmente da classe alta, mas meio desfigurada, toda vermelha, gritando loucamente comigo a uns dois metros de distância. E eu continuava a vaiar o hino.
    Vaiei até cansar. Mas ficaram perguntas, como sempre:
   1)Por que essa senhora fica tão #xatiada de me ver contra a sua pátria que lhe dá do bom e do melhor, enquanto outros morrem de fome, de doenças perfeitamente curáveis ou de tiro da polícia?
   2)Será que o cara que gritava na minha cara entendia bem o que é respeitar, e que dentro de respeitar está respeitar o protesto dos outros e não gritar na cara deles?
    O que eu sei é que estou lutando por pessoas que, coincidentemente, são brasileiros, já que estamos reivindicando de um Estado melhorias para a população que é administrada por ele. Meu inimigo não está fora, e meu amigo não está necessariamente dentro. Eu não sou amiga dos skinheads que atacam pessoas que portam bandeiras de partidos. Eu não sou amiga dos playboys que saem com cartazes sem sentido como os que eu vi na internet no protesto dos médicos e dos estudantes de medicina. E muito menos sou amiga do grandão e da Hebe Camargo. Eu luto para as pessoas, e minha prioridade é quem sofre mais. Minhas cinco causas seriam: reforma agrária, descriminalização do aborto, respeito às terras demarcadas para os índios (e sua ampliação, afinal são eles quem devem decidir até onde vão as suas terras... o que poderia chamar-se Usucapião, por exemplo), adoção de um novo sistema político e econômico que preze pelas pessoas e seja contra a desigualdade, respeito aos direitos humanos e as garantias básicas constitucionais. Na verdade, minhas prioridades não são cinco, são inúmeras. Mas são para e pelas pessoas. E se a moda é protestar, vamos protestar por quem precisa mais, por quem está aguardando há mais tempo e por quem vai morrer se tiver que continuar esperando.
    Defender pessoas, defender o ambiente pelo bem das pessoas. Se for para isso, vou continuar na rua com os manifestantes. Mas se for para se enrolar na bandeira, cantar o hino, etc; eu continuarei indo lá só para protestar contra o próprio protesto.
    Gente que quer se sentir igual, igualando na porrada os outros, pessoas que acham que sua pátria é linda e maravilhosa porque ELAS nasceram nela, gente que nem sabe porque pensa as coisas que pensa... um recado do lado de cá:
Agora é assim o negócio
V de vaiando o nacionalismo.
    Como esse é o primeiro texto, vou me despedir de maneira formal. Obrigada por ler até aqui, espero que tenha servido para desacomodar algumas ideias. Essa é a primeira parte do texto. Um dia, quando você já tiver esquecido esse assunto, eu venho com mais uma. É sempre bom tirar o sapato e ficar só de meia nesta coluna. Mas é igualmente bom ficar com uma das mãos agarrando a maçaneta da porta.
Não esqueça que eu sou só uma pessoa, assim como você. Eu não escrevo para você acreditar, eu escrevo para você pensar. Até a próxima.

Fontes:

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  1. Eu sou brasileira, com algum orgulho e muita dor. Carrego o país no meu nome e confesso o meu narcisismo. Nem sei direito quem é o povo, não sei se esse povo é cordial, se é guerreiro, se não é nada. Sei que essas pessoas falam o meu idioma e, indiretamente, afetam a história da minha vida com as suas (in)decisões políticas.
    Gostei, guria, gostei do tanto de coragem que tiveste pra inaugurar isso aqui com um textículo antinacionalista.

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    1. Vivendo no Brasil e depois fora dele, mas sobretudo viajando por aí, como estou fazendo neste momento, descobri que o que nos identifica é muito mais o humano do que o lugar onde coincidentemente nascemos. Tem alguma coisa dentro das pessoas, suas experiências, suas palavras, seus gestos... tem alguma coisa dentro delas que nos liga. Para mim, essa é a chave: mudar o foco de identificação. Claro que todos somos um pouco nacionalistas - ninguém nasce fora da sua cultura -, mas acho legal questionar essas certezas.
      Obrigada, Ane. E esse textículo antinacionalista foi só o começo... espera o próximo, hahahaha.

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    2. Ai, que amiga linda que eu tenho!!! Adorei, é isso aí, somos todos um só, nascidos por acaso aqui ou ali, todos de tudo e tudo de todos. Ninguém nasce fora da sua cultura, mas isso é cultural kkk, mas quando nos entendemos por gente, podemos olhar pro lado e aceitar ou não a cultura imposta. Enfim, amei, tu é linda demais!

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