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- Presidenta ou presidente: o que usar?
Postado por:
Mundo Raimundo
quinta-feira, 25 de julho de 2013
Vívian Andrade escreve para a coluna PolemiCÃO
Aposto que
teve gente que abriu esse link esperando ler alguma normativa do que deve
fazer, ou buscando algum argumento que sustente a sua opinião. Aviso aos
navegantes: é proibido proibir. Leia, entenda e vá além.
Eu sou professora
de português e de espanhol e, para uma palestra especial há alguns anos, precisei
estudar muito História. Entre ler, ver filmes e documentários, pedi a alguns
colegas desta disciplina que me explicassem um pouco sobre como os acontecimentos
pelos quais eu estava interessada tinham sucedido. Percebi que eles não davam muita ênfase às
revoluções, tampouco aos revolucionários. Lembro que na época pensei “nossa,
esses caras tiram toda a emoção da história” e talvez tenha até recitado Drummond
mentalmente: “Que tristes são as coisas consideradas sem ênfase”. Com o passar
do tempo, fui reconhecendo na minha fala essa falta de, digamos, ornamento para
certos assuntos quando me referia àquilo que havia buscado compreender tão
profundamente, que acabara perdendo aquele brilho fofoquístico que tanto havia me
encantado inicialmente. Talvez a realidade e o íntimo das coisas não tenham
tanta graça quanto nós gostaríamos. Talvez a graça esteja justamente por baixo
da camada de adrenalina inaugural de certos temas. Ou ainda, quem sabe, tudo seja
muito mais monótono do que nossas tentativas interpretacionais de transformá-lo
em algo especial, com algum sentido lírico, épico ou dramático, inventado para
dissimular todas as nossas boas e más intenções. Mas isso é outro papo.
Guarde a informação da ênfase no bolso e
observe outra questão.
Quem passou ultimamente por uma boa faculdade
de Letras (e a aproveitou) sabe: já não são reservados os antigos louros axs
professorxs - sobretudo axs de português – que humilhavam e/ou ridicularizavam x
alunx utilizando supostas normas - a gramática, por exemplo - como desculpa
esfarrapada para seu sadismo.
- Carlinha,
levante-se e conjugue em voz alta o verbo abolir no presente!
- Eu abolo,
digo, eu abulo, abó, abu... abolir: eu abó, não, eu abu.... (risadinhas dos colegas)
- HAHAHAHA,
jamais poderias conjugar o verbo abolir no presente na primeira pessoa porque é
um verbo DEFECTIVO e não existe na primeira pessoa do singular! HAHAHAHAHAHA.
(Carlinha sentindo-se envergonhada e triste, com toda razão.)
Entretanto hoje a situação é outra (?): o bom ou a boa professorx de português, literatura ou de línguas estrangeiras tem diversos desejos para sua carreira, porém jamais se parecer àquelx velhx professorx que obrigava xs alunxs a decorar regras e regras sem sentido, x qual todos temiam, mas contra quem jamais fariam uma reclamação formal. X profissional competente ou competenta de Letras sabe que o pior que pode reproduzir é a opressão. A linguística nos revelou que a língua pertence a quem fala e seu lugar é na boca do povo. Nós, pessoas que a falamos, temos todo o direito de trocá-la, torcê-la, espremê-la, mordê-la, gritá-la, vomitá-la, e tudo o mais que quisermos fazer com a língua (já que ela é deliciosamente promíscua!).
Sendo assim,
o que parece inadequado em uma situação (a palavra ‘pobrema’, por exemplo) é
adequado em outra, ou seja, perde-se a
ênfase porque tudo é relativo.
Perdendo-se a ênfase e conferindo o direito
a todos de modificar o idioma, a pergunta “usar presidenta ou presidente?” assemelha-se
a uma pergunta como “usar mandioca ou aipim?”: ambas existem, se referem à
mesma coisa/pessoa, e são usadas por motivos diferentes.
Pelo que
observo nas redes sociais, os motivos para usar presidenta ou presidente se
concentram em dois pontos de vista principais:
NÃO POOOOODE
Porque existem
pessoas que acham que existem donxs ou chefxs do idioma. Um argumento usado é o de que o particípio
ativo do verbo ‘ser’ é ‘ente’ (veja explicação aqui https://www.facebook.com/photo.php?fbid=579207788769255&set=gm.567756723266195&type=1&relevant_count=1)
Pergunto a
você que vai nesse barco:
1-
Por que você acreditou nisso, se não sabia o que
é um particípio ativo?
2-
Ah, sabia sim? Então o que é? (não vale procurar
no Google agora)
As pessoas que participam do NÃO POOOOODE também alegam que esta é uma jogada do PT. Eu acredito que pode trazer benefício sim ao governo da presidenta e ao seu respectivo partido. No entanto eu estou cagando e andando para os sufixos que o PT usa nas palavras. Digo mais: eu apoio o uso de presidenta e não sou petista. E para fechar com esse negócio de partido: há coisas pelas quais o PT é responsável que me importam bem mais do que a palavra presidenta. Juro.
E, semeando
pelo mundo um discurso elitista, vai essa galere do NÃO POOOOODE. Eles acham
que existe certo e errado na língua, que ela é imutável (linguística mandou
lembranças bem distantes), que há que se debater a entrada no idioma de certas
palavras, ou a licença de serem usadas. Não, leitor, não existe, jamais funcionaria e,
portanto, jamais existirá um órgão, associação, academia, agrupação, etc. que
seja capaz de controlar um idioma. Muito menos um indivíduo que tivesse
autoridade para dizer o que é correto e o que não é.
POOOOODE
Pode porque a
língua é de quem a fala, e se é nossa, as regras também são.
POVO: Vamos abolir
gradativamente o pronome pessoal ‘vós’ e seus respectivos verbos e pronomes?
POVO: Vamos.
POVO: Vamos
agora pegar um monte de palavras do inglês e trazer para o português?
POVO: Vamos.
POVO: Vamos
inventar um sufixo marcadamente feminino para palavras terminadas em –ente?
POVO: Vamos.
Simples e sem
ênfase assim.
P.S. Nem
todas as pessoas vão falar iguaizinhas, ajustadinhas, bonitinhas; pelo
contrário, sempre vai haver outros grupos que não cumprirão o acordo ou o cumprirão
parcialmente, ou até inventarão regras próprias. Essas diferenças dentro do
grupo de falantes de um mesmo idioma são normais, é a natureza do idioma ser
heterogênea.
Há outros do
grupo POOOOODE que defendem o uso por serem petistas, por serem feministas, por
acharem que assim é correto, etc. Há inclusive o linguista Marcos Bagno que
publicou em seu Facebook um post revelando que há muito havia dicionários que
já traziam a palavra ‘presidenta’:
Não é porque
já estava no dicionário que eu tenho a chance de usar esta palavra. Os
dicionários são manuais que contêm informação acerca das palavras, não são leis.
Além disso, o dicionário está sempre atrasado em relação às mudanças na língua,
visto que as palavras só aparecem nele quando seu uso já está mais do que
sedimentado. E dicionários não mandam no que sai da minha boca nem da sua: eu
uso presidenta porque EU QUERO, ninguém pode me impedir, nem me julgar por usar
como eu quiser - e sem causar dano a ninguém - uma coisa que é minha também.
Sendo assim,
senhorxs, escolham entre presidenta e presidente, discutam motivos para usar
uma ou outra, mas não queiram dar ênfase a uma delas tentando polemizá-la para
censurá-la.
excelente!!!!! Um alívio de leitura!!! Ou melhor, uma leitura de alívio!
ResponderExcluirFinalmente uma explicação decente pra distinção entre o uso de presidente e de presidenta! Adorei o texto, Vivian!!
ResponderExcluirAdorei a abordagem acessível e respeitosa.
ResponderExcluirMas vale lembrar que é uma faca de de dois legumes como diria os mamonas.
Os implicantes podem se apropriar do argumento. Neste caso, persisto mesmo em bater na mesma tecla de ser desrespeitoso com a presidenta, que pede insistentemente em ser tratada como tal. E a insistência em fazer o contrário, se torna explícita a provocação.