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Postado por:
Mundo Raimundo
terça-feira, 20 de agosto de 2013
Leandro escreve para a coluna O Rei Está Nu
As manifestações que tomaram conta do país em junho
têm nos permitido diversos debates e reflexões políticas, não apenas a cerca de
sua legitimidade ou eficácia quanto aos diferentes métodos de transformação
social, mas principalmente quanto ao papel que exercem os representantes
políticos, partidos, sindicatos e demais organizações burocráticas. O recente
manifesto do PSTU, onde o partido critica abertamente a atuação de grupos mais
radicais que optam por ações diretas contra o capital e as instituições, como
os chamados "Black Blocs" (aqui: http://www.pstu.org.br/node/19855), nos
apresenta de forma muito clara as contradições que surgem nas esquerdas. Faz-se
necessário nesse momento, portanto, buscar compreender esses diferentes
discursos, interesses e possíveis oportunismos que surgem na arena política,
evitando análises ingênuas, simplistas e superficiais.
Mas não é exatamente sobre os protestos e seus
possíveis rumos que eu gostaria de abordar nesse momento. Gostaria de me ater basicamente
ao posicionamento das esquerdas partidárias diante dos protestos, e promover
uma crítica a sua forma de ação e relacionamento com as massas,
independentemente de suas distintas orientações ideológicas. O eixo da minha
análise é o papel que exerce o Partido na concepção dessas esquerdas,
considerado para os alguns segmentos marxistas a "vanguarda
revolucionária", que terá por função guiar e orientar as massas (segundo
eles alienadas, desprovidas de um direcionamento claro) tendo como fim a tomada
do poder para, daí em diante, promover o que chamam de
"socialismo".
"A verdadeira revolução é a ação das massas,
não a de pequenos grupos." diz o PSTU em nota, quando critica a ação dos
grupos anarquistas. Mas o que seriam os partidos de esquerda hoje, a pretensa
"elite intelectual", além de pequenos grupos muito distantes de um
relacionamento concreto com os grupos sociais que supostamente defendem? Que
papel tem exercido essas elites ao longo da história do movimento operário no
Brasil e no mundo e da luta pelo socialismo, se não o da cooptação e a traição
à classe operária? E mais: que tipo de ação exercem hoje e quais benefícios
essas ações tem trazido para a suposta revolução que pretendem? Tais segmentos
da esquerda partidária, como o PSTU, ignoram o papel do indivíduo enquanto ator
político atuante para tomá-lo apenas como integrante das massas, passivo diante
de fatores políticos e econômicos externos, diante das decisões de suas
lideranças. Ignora ainda que todas as manifestações ocorridas no país recentemente
decorrem justamente da ação inicial dos pequenos grupos, que tomaram a
dianteira das manifestações pelo passe livre, desencadeando uma onda de
protestos por todo o país.
Os partidos políticos tem se tornado, ao longo das
últimas décadas, instituições cada vez mais distanciadas dos seus reais
propósitos enquanto instrumentos da classe trabalhadora para sua emancipação .
O que se vê hoje nas ruas, nos protestos que têm ocorrido no Brasil e por todo
o mundo, não é uma juventude despolitizada ou desprovida de ideologia , como
afirmam alguns segmentos esquerdistas, mas uma total crise de representatividade
e de falta de confiança nas instituições burocráticas. O jovem que levanta sua
bandeira "sem partido" nas manifestações não é o jovem que necessita
maior conhecimento e compreensão da importância do papel dos partidos para a organização
da classe trabalhadora, mas sim o jovem que não se vê representado por estes
partidos. Daí decorre a necessidade de se repensar e promover novas formas de
atuação e organização, que superem os instrumentos arcaicos de organização. Faz-se
mais do que necessário que as esquerdas repensem os próprios conceitos de
"organização" e "representação", que em suas concepções
manifestam pretensões políticas de modo geral autoritárias e superadas
historicamente.
Quando o PSTU e demais partidos de esquerda ecoam
tais discursos contra “a falta de um programa
revolucionário” e as ações anticapitalistas isoladas faz um verdadeiro
desserviço à própria revolução que supostamente defende. Afinal, o que seria a
revolução socialista se não uma afronta ao próprio Estado, às instituições
burguesas de repressão e ao capital? Em que medida se faz necessário
conhecimento acadêmico e programa de governo para possuir consciência de classe
e agir concretamente? Ao invés de unirem-se às massas e buscarem compreender
seus anseios e diferentes formas de organização, o PSTU afirma um
posicionamento cada vez mais distanciado das lutas populares, dos grupos que
ousam empreender táticas que fogem ao alcance de suas cartilhas. E pior:
legitimam a própria repressão policial nas manifestações, quando atribuem aos
“Black Blocs” a responsabilidade pela atuação violenta da PM que, segundo eles,
seria apenas uma resposta à violência dos anarquistas. A mediocridade é tão
grande que acabam por assimilar esse discurso conservador, pacífico e ordeiro
das classes dominantes, em nome da defesa de uma suposta “radicalização da democracia” – que democracia? Não se trata
de discutir aqui a eficácia de tais métodos de ataques a bancos e lojas, mas
sim a legitimidade dessas ações enquanto ação simbólica de resistência
anticapitalista. Os “Black Blocs” não constituem grupos organizados e
desprovidos de ideologia ou programa revolucionário, como sugere a nota do
PSTU, representam apenas formas de atuação e resistência.
O Partido é concebido por estes sob os moldes de
uma religião: hierárquica, autoritária e, portanto, antidemocrática, na medida
em que o papel da militância resume-se a acatar as ordens de seus dirigentes.
Seus programas, independentemente de seu viés teórico e ideológico, não
constituem uma afronta à ordem do capital e estão desprovidos de qualquer real pretensão
de transformação social, limitando-se a velhos reformismos. Os mais
"radicais" da esquerda partidária defendem a apropriação pelo Estado
dos bancos e grandes empresas, para a promoção de suas reformas. Mas não
pretendem a emancipação dos trabalhadores, não consideram a atuação efetiva e
fundamental das massas, que em suas concepções não é nada além de instrumento
de manobra, que deverá ser politizada e guiada de acordo com seus propósitos. A
"revolução" que pretendem não é a revolução dos trabalhadores e dos
grupos sociais oprimidos, mas sim a revolução de uma minoria de intelectuais.
Ela não será feita nas ruas, nas lutas de resistência cotidiana, mas sim em
seus gabinetes, nas suas velhas instituições falidas, onde a burocracia
hierarquizada impede a presença e atuação efetiva dos reais interessados na
revolução.
Um artifício bastante recorrente na esquerda
partidária é a analogia de toda e qualquer crítica a política partidária às
ideologias fascistas e aos regimes totalitários, relacionando a abolição dos
partidos nas ditaduras à luta do povo contra toda e qualquer instituição
burocrática. Nada mais anti-marxista do que tal posicionamento, que tende a
desconsiderar a possibilidade da autonomia do povo na medida em que propõe a
política partidária como única alternativa viável.
É necessário buscar novas formas de atuação e
relacionamento com as classes populares. É preciso pensar formas de
auto-organização, que não se limite aos partidos e sindicatos e que não se subordine
a qualquer forma de oportunismo político.
A discussão de viés partidário não interessa aos
trabalhadores, na medida em que personifica questões estruturais complexas e
mina a própria luta de classes, reduzindo-a a uma mera briga de partidos.
Portanto não ajuda a avançar o debate. É preciso superar tais
discursos rasos e reducionistas.
Não falo aqui em produzir cartilhas ou receitas de
bolo para a revolução, mas acredito piamente na autonomia dos trabalhadores e
de todas as camadas sociais oprimidas, em sua capacidade de se organizar e
atuar diretamente na esfera política sem ser cooptado por interesses externos,
sem necessitar de lideranças e quaisquer instituições burocráticas. A revolução
não surge de forma espontânea do dia pra noite, ela não é imediata. Mas se
constrói nas ações cotidianas de resistência a toda e qualquer forma de
opressão, seja ela privada ou Estatal. À revolução não interessa a mera troca
de governos ou sistemas políticos que mantenham a mesma estrutura social, a
mesma divisão entre comandantes e comandados, exploradores e explorados. À
revolução só interessa uma verdadeira mudança de paradigmas que destrua as
velhas instituições e promova, de fato, uma revolução do povo, pelo povo e para
o povo.