Postado por: Mundo Raimundo sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Ingrid escreve para a coluna Desacomodação.


Esse final de semana assisti um filme meio batido já, mas que havia passado diversas vezes na minha mão, e, por alguma interrupção, acabava não vendo. Cheguei ao ponto de locar e devolver sem ter visto. Dessa vez assisti pelo estímulo de alguém especial no campo das “sensibilidades” da vida.
Sem querer futriquei nas coisas velhas do meu pai e encontrei este filme.

Admito não ter assistido muitos filmes nos últimos tempos, coisa que gostava de fazer e não sei por qual razão fui secundarizando e parando. Sempre preferi filmes fora da rota norte-americana. Sem atores do “the Oscar goes to”... mas enfim, dessa vez foi o Brad. Meu amigo Brad Pitt. Desde que era criança eu já era encantada com ele. Sinal de que o homem envelheceu e continua no top do meu imaginário. Ainda que muita gente já tenha falado sobre este filme com muito debate e muitas críticas, resolvi falar no Benjamin Button. Sabia que era um conto, mas também nunca li. O que me prendeu para escrever sobre o filme foi a ideia (dessa vez não foi o meu amigo Brad).

Logo que o filme estava no topo da onda, a ideia do envelhecimento não me comovia da forma como comove hoje. Acho que isso me acordou. Beirava os 30 com aquela ideia de adolescente de que trinta anos era a metade da vida e que seria uma adulta. Os vinte e poucos ainda nos faz sentir meio adolescente eu acho. Ter feito trinta me despertou para coisas incríveis, mas também veio junto a ideia de ir deixando algumas coisas da juventude. Uma pessoa de 60 anos lendo isso vai achar que eu sou uma exagerada. Mas façamos o exercício da sensação que tiveram ao ultrapassar marcas. Os 30 é uma. Talvez os 40 outra. Os 50 muito mais. E daí por diante só vivendo para saber que sensação dará.

Em outro momento escrevi sobre a exigência da mídia e do mundo do consumo sobre a dura carga que recebemos diariamente de que não podemos envelhecer. Homens carregam menos esta carga. Mas as mulheres cotidianamente são cobradas de que não podem envelhecer. E que riqueza de coisas poderiam ser ditas nessa linha de raciocínio sobre o filme! Comecei a ter rugas, cabelos brancos, coisas chatas deste tipo. A pele já começa a ficar mais molenga. E junto de tudo isto a culpa por estar envelhecendo, pegando sol, indo à luta e correndo riscos. Mas a culpa da culpa do envelhecimento não é do próprio indivíduo. É sem dúvida nenhuma, da cultura que estamos que nos diz que o enrugado é feio. Que o velho é obsoleto. Que estamos perdendo prazo de validade. Mais do que a estética. A essência. Quantos de nós efetivamente se dispõe a valorizar o poço de sabedoria que carrega uma pessoa mais velha? Geralmente só depois que nós mesmos começamos a envelhecer e olhe lá. Não estamos sendo criados nem educados para conhecer a história de quem vive há mais tempo que nós. Em muitos casos não estamos sendo sequer orientados ao respeito nas relações com quem é mais velho. Pelo contrário, diariamente vivemos a intolerância aos que chegaram primeiro.

Uma parte que me chamou muito a atenção foi quando a Daisy já mais velha que o Benjamin, transa com ele pela última vez, já com o corpo mais envelhecido e morrendo de vergonha enquanto ele ficava ainda mais jovem. E, no entanto, o filme faz com que sintamos agonia por aquele que está rejuvenescendo enquanto o fluxo da vida é envelhecer. O passar do tempo de Benjamin me provocou angústia, pois ficar mais jovem acabou não importando, muito pelo contrário, era um relógio ao contrário muito triste em que o que de fato não se queria passar era pela morte. A morte tão mal trabalhada em nossa cultura branca ocidental. Mas mais do que isto. Enquanto Benjamin ficava criança, ia esquecendo sua história. De seu passado. Exatamente como acontece quando estamos bem velhinhos. Quando estamos totalmente vulneráveis à confiança de alguém que nos cuide. Chorei muito na cena em que Daisy segura o bebê no colo tão indefeso. E logo depois Benjamin morre.

A metáfora da eterna necessidade de que precisamos do “outro” na vida. E até na morte. De que é impossível conceber sermos humanos e sermos sós.  Porém, o conto promove uma repensada para a morte, mas muito mais do que isto, repensa a vida. Sim, já me peguei pensando que sou muito velha para aprender algumas coisas, por exemplo, que exijam algum talento artístico ou físico que não tenha sido estimulada antes. Depois de mais velha, a personagem nadadora finalmente conseguiu atravessar o Canal da Mancha. Exemplo banal: futebol, aprendi aos 25 achando que não aprenderia mais porque não me ensinaram no colégio e porque não era brincadeira de rua de menina, e, portanto, não peguei a “manha” quando criança. E há muito pouco tempo disse que nunca aprenderia a tocar violão porque não tenho coordenação motora e já era meu tempo para esse tipo de coisa. O filme do Benjamin Button me deu um “sacolejo” com uma força tal, que acho que se eu quisesse aprender a pular de para-quedas (mas quisesse muito), eu iria.

E com isso, pensei que enquanto estiver viva quero me desafiar a aprender exatamente tudo aquilo que der vontade e que não sei. Porque do contrário, a vida se passará só na repetição. Quantas e quantas vezes escutei meu pai dizendo que não faria mais tal coisa porque estava velho. E diariamente enfiamos na cabeça que estamos velhos demais para alguma coisa. Baseando-se sempre no humano “prodígio” de que talentoso nasce assim ou que para saber fazer algo tem que ser muito bom, ou iluminado, ou predestinado, acabamos não desafiando a nós mesmos. Tampouco injetando adrenalina, ou hormônios de felicidade. Quantas e quantas pessoas conseguiram se alfabetizar depois dos 50 anos no Brasil? E que mundo novo colorido descobriram ao interpretar o mistério lindo das letras? Isso é fantástico. Quantas e quantas outras só puderam fazer o Ensino Médio ou um curso superior já depois dos 40? 50? Quanta vida lá fora. Me emociono de lembrar da viagem feita à Venezuela em 2007, onde conheci uma universidade popular em que os alunos noturnos eram pessoas mais velhas, trabalhadores e trabalhadoras contando encantadas da concretização de cursarem Direito, o curso dos seus sonhos, já em idade bastante madura. Lindo demais. Minha tia-avó, uma pessoa muito especial que carrego na minha alma, passou a vida inteira esperando pelo meu tio para ir a algum lugar. Com 60 ou mais, aprendeu a dirigir. Comoção na família. Morria de medo. Não subia ladeira de jeito nenhum. Teve algumas aulas de direção com o próprio neto. Hoje com 76 ela vai onde quiser dentro da cidade. E a possibilidade singela da locomoção que para muitos é banal, abriu-se a ela.


Daisy em diversos momentos, ao se punir por não poder mais dançar ballet, sua paixão, acabava policiando-se e repetindo: “jamais sinta autopiedade de novo”. E acho que esse foi um grande aprendizado. Das coisas que fazíamos e não podemos mais fazer. Das coisas que nunca fizemos e não  sabemos sequer que somos capazes. Resumindo: chorei como criança, como adulta e como velha. Que bom poder envelhecer. É um alívio imaginar que ficaremos enrugados, velhos, até mesmo com dificuldades de locomoção, de memória, com limitações. Mas que tenhamos tentado e estejamos acima de tudo, vivos para recomeçar tudo de novo a qualquer tempo que desejarmos.

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  1. E depois dos setenta e tantos agora ela aprende a dirigir um carro automático! Hehehehe... Muito boa a tua reflexão, Fifi. Comungo da tua opinião e acho que o segredo da juventude não é o botox ou uma cirurgia plástica, mas sim, o aprendizado! As rugas são as marcas da sabedoria que o tempo proporciona! Que a gente possa passar a vida aprendendo coisas novas sempre! :)
    Beijos.

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