Postado por: Mundo Raimundo domingo, 13 de outubro de 2013



Olá, prezadx leitorx

Mudando de saco pra mala: esta é minha introdução no mundo da literatura, cuja obra é assinada pelo pseudônimo de Valentina Guadalajara. Muito obrigada pela leitura deste conto que se chama Branco.

BRANCO

Jorge era aquele homem que saía detrás do balcão da padaria às oito da noite, todos os dias, menos aos domingos, que é o dia do Senhor. Sempre ia à missa e nunca esquecia o dízimo. Sabia de cor alguns trechos do santo livro que eram lidos pelo padre, e os repetia, mesmo perante a dúvida do mistério daquelas palavras. Jorge tinha uma relação de submissão e adoração com as causas. Apesar disso, nunca se questionava de onde vinham e nem no que resultavam as coisas do mundo. Para ele, o antes e o depois eram conceitos abstratos, nem sequer deixavam vestígios de sua influência. Jorge não podia entender, ele simplesmente não podia.
Como todos os dias, saiu do trabalho, chegou até a parada de ônibus e encontrou seu amigo de sempre, Ramiro. Discutiram sobre futebol: Jorge do Grêmio, Ramiro do Inter. Em poucas palavras, este convenceu o amigo de que o Inter era melhor. Então porque Jorge não mudava de time? Ele era dessas pessoas que não conseguem alterar o que já está sedimentado, entranhado. Suas cabeças estão cheias de labirintos e, uma vez que uma ideia está instalada, se mimetiza e se esconde. Em tais circunstâncias, não se pode mais encontrá-la, apenas é possível ouvir o seu eco vindo das profundezas da mente. Ela se faz presente, mas não se expõe. Jorge às vezes tentava encontrar algum desses conceitos dissimulados e derramar luz sobre eles, no entanto, tal qual arqueólogo inapto e fracassado, desistia. Então, olhava para o interlocutor e abria um sorriso vazio.
De vez em quando, cogitava uma solução para suas perturbações. Achava que se tivesse uma família, esposa e filhos, seria um homem que leva adentro tudo quanto se pode conter. Em uma posição singular, encarregado da manutenção de um lar - situação em que a responsabilidade o encontraria sem mais -, teria um motivo para ser mais perseverante. Entretanto, com meramente pensar nesse rascunho de intenção, sentia medo e nojo.
Ramiro afirmou que o amigo estava mais branco hoje, e Jorge teve uma visão dele mesmo nu, subindo aos céus, com uma auréola radiante pairando sobre sua cabeça. Olhou para suas mãos enquanto contava as moedas da passagem e viu suas unhas sujas de farinha. Perdeu a ilusão. Contudo uma imagem permaneceu, a de dois anjos carreando-o. Essa representação converteu-se em um carrossel que girava como pião.
Tomou o ônibus e não mais ouvia os comentários de Ramiro, não mais sentia o incômodo, que tantas vezes o destroçara, de perceber-se em contato físico com outrem. Estava completamente submerso no seu universo onírico e cândido. Durante a viagem, diferentes cenas com a mesma temática se sobrepunham às outras, cada vez mais rápido, e mais rápido, e mais rápido.
Com sofreguidão desceu do ônibus, e, agoniado, saiu correndo. Suando, abriu a porta de casa, a do roupeiro e a tampa da pequena caixa. Tomou a foto em suas mãos, beijou-a desesperadamente, lambeu-a repetidas vezes. E com uma voz que vinha de algum canto recôndito daquele caos ensurdecedor, exclamou por não suportar:
- Ah, como é lindo este anjinho!
E a mão alcançou o zíper das calças.


Valentina Guadalajara

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